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quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Segurança em um Mundo VUCA


Se há uma certeza hoje é que não temos a menor ideia do que irá acontecer amanhã, tais quais os versos do compositor Didi - “como será amanhã, responda quem puder” - imortalizados pela voz da cantora Simone. Certa vez li de que a certeza é o que nos dá a tranquilidade de agir, mas, como dizem, o diabo mora ao lado, ou nos detalhes. Não estamos nem um pouco preparados para o desconhecido. Queremos controlar o incontrolável, e, pior ainda, gostamos de nos enganar dizendo que está tudo sob controle. Na verdade, sim está, mas do imponderável, que infelizmente não trabalha para nós.
Buscar o controle faz parte do DNA do profissional de segurança, e é o que aprendemos desde sempre: medir o risco, aplicar controles e reduzi-lo até níveis considerados aceitáveis, já que 100% nunca será alcançado. Também sempre pensei assim, mas há algo errado. A segurança parece frágil, ou no mínimo menos eficiente do que gostaríamos que fosse. Talvez não precise ser assim. Devemos, claro, manter riscos conhecidos sob controle e em níveis que julgamos adequados, mas sempre haverá o 1% imprevisível, e é dessa pequena porção que estou falando. Esses 1% de riscos não cobertos possuem a capacidade de cancelar todo o esforço dos outros 99%. Se um único ataque de ransomware tira do ar uma empresa por dias, para que serviu todo o esforço? A resposta é rápida: “em 99% do tempo não somos invadidos e a empresa opera normalmente”. Eu concordo, mas nenhuma empresa pode ficar fora do ar 1% do tempo.
Esse é o meu desafio pessoal atualmente, e convido todos a ele: como montar a estratégia da segurança da informação sem saber e sem tentar adivinhar o que acontecerá, em um mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo?
Volátil, incerto, complexo e ambíguo é como o US Army War College definiu o mundo em 1987. Eles estavam obviamente pensando na guerra, mas o acrônimo por eles cunhados, VUCA (ou VICA em português), passou a ser utilizado também nas áreas de negócios e planejamento estratégico. E cabe perfeitamente também em segurança da informação, sobretudo frente às ameaças resultantes do mundo conectado, ou digitalizado.
Volatilidade se define como a dinâmica dos eventos, inesperados tanto em sua natureza como em seu alcance. O oposto de volatilidade é a estabilidade, ou a quantidade de eventos e nível de criticidade considerado como padrão, e que a empresa enfrenta na maior parte do ano. Em um ambiente estável espera-se o que irá ocorrer, que é conhecido e, portanto, a resposta está documentada e treinada. No entanto, algo desconhecido e inesperado pode ocorrer a qualquer momento. Dizer que segurança é volátil é reconhecer que não há garantia de estabilidade nos elementos que estão fora do alcance de controle da empresa: hackers e usuários mal-intencionados.
Incerteza (o U do acrônimo) é o grau de imprevisibilidade dos eventos. Como os grandes ataques mostraram, as técnicas, vetores e extensão da invasão são somente identificados após o inicio e, em alguns casos, após seu êxito. Em alguns casos as vítimas apenas perceberam que havia uma invasão em curso depois que os sistemas saíram do ar, os dados foram roubados ou o computador ficou inacessível. Os resultados de não saber o que está ocorrendo são a surpresa, não saber como reagir e e a sensação de impotência.
Volatilidade e Incerteza estão ligados. Um evento pode ocorrer a qualquer momento sem aviso prévio, e não temos como conhecer de antemão seus métodos e consequências. O grande desafio para encarar a volatilidade e a incerteza somos nós mesmos. Não sabemos lidar com o risco, não temos tolerância a ele, e por isso queremos eliminá-lo, o que não condiz com a realidade.
Já Complexidade é inerente a qualquer evento de ataque cibernético, assim como também a como está configurada a segurança da empresa. Muitas vezes vemos os hackers usarem a complexidade a seu favor e as empresas a usá-la contra elas mesmas. De qualquer forma, qualquer ataque será complexo, e os mais sofisticados usarão múltiplas técnicas de invasão, seja para aumentar a eficácia ou para evitar a detecção pelos sistemas de defesa.
Ambiguidade é uma característica nem sempre levada em conta. Muitas vezes nossa leitura dos eventos pode estar equivocada, ou mesmo um ataque pode ser apenas um chamariz para desviar atenção de outro muito pior. Um ataque de ransomware, por exemplo, pode ser usado para mascarar o roubo de informações.
O conceito VUCA aplica-se naturalmente ao mundo da estratégia empresarial, e a maior parte da literatura fala disso. O mundo dos negócios é cada vez mais disruptivo, e modelos de negócio são construídos ou mudam cada vez mais rápido. Em muitos negócios, como Uber, Amazon e Netflix, a TI deixou de ser um habilitador do negócio para se tornar o próprio negócio. Logo um ataque bem-sucedido não irá apenas atrapalhar, ele tirar do ar o próprio negócio da empresa, levar a zero o faturamento, causar milhões de dólares de prejuízo. Esse ambiente de negócios traz um novo desafio à gestão de segurança. Não apenas precisamos estar preparados para as a imprevisibilidade dos ataques, como também nos adaptar e acompanhar as mudanças nos negócios.
Todos os casos dos grandes ataques apresentaram bem as quatro características, com impacto nos negócios ou na credibilidade da empresa e executivos, e é necessária uma mudança no modo como encaramos as coisas. Pensar segurança dessa maneira envolve mudar conceitos, e até mesmo ir contra algumas medidas consideradas há anos como “boas-práticas”. Envolve reconhecer que muitas das estratégias e táticas criadas há mais de uma década e ainda utilizadas não funcionam mais. Envolve interpretar de maneira diferente relatórios de institutos de pesquisa que ainda seguem encarando a segurança em silos, como fazem há vinte anos. Envolve mudança.
Nos próximo artigos irei tentar aprofundar cada uma das quatro características VUCA, e buscar algumas medidas que podemos implementar, não para controlar, pois, de novo, isso é impossível, mas para tornar nossa segurança menos frágil e mais eficaz, em qualquer situação.